terça-feira, 30 de setembro de 2008



O padre

a freira

e o cobertor

Antunes Ferreira
O padre
capelão Francisco e a irmã Manuela do Coração do Senhor regressavam ao convento, depois de terem participado numa cerimónia dedicada à Senhora da Agrela. Era uma prática desde sempre seguida no mosteiro. Desta feita, o sacerdote era um rapaz ainda novo e desempenado, que viera substituir o anterior, vítima de enfarte e a monja desempenhava as funções de ecónoma, e tinha quase quarenta anitos, mas nada de murcho.

Ao cair da noite, avistaram uma cabana a meio do caminho, e decidiram
entrar para pernoitar e prosseguir a viagem no dia seguinte. Ao entrarem, viram que na sala havia uma mesa e quatro cadeiras e um pequeno armário para a loiça. Duas divisões, sendo que a outra era o quarto, onde se encontrava apenas uma cama de casal. O cura e a freira entreolharam-se e, depois de alguns segundos de silêncio, ele disse: «A minha Irmã, pode usar o leito que eu durmo aqui no chão.»

E assim fizeram. No entanto, a meio da madrugada a irmã acordou o
companheiro de quarto, mas não de cama. «Senhor padre, está acordado?» O pobre, bêbado de sono: «Hã?! O quê? Ó irmã, diga. O que foi?» «Ah... é que eu estou com frio. Pode ir buscar-me um cobertor?» «Sim, sóror, com certeza.» O clérigo levantou-se, foi buscar uma manta a uma cómoda e cobriu a freira cuidadosa e suavemente.



Uma hora depois, a irmã acordou o eclesiástico novamente: «Senhor padre! Ainda está acordado?» «Como? Irmã... O que foi agora?» «É que ainda estou com frio. Pode dar-me outro cobertor?» «Claro minha irmã, sem dúvida.» Mais uma vez, o padre levantou-se cheio de amor e boa vontade para atender o pedido da irmã. Aconchegou-lhe a manta e voltou a deitar-se no chão.

Outra hora passou e, mais uma vez, a irmã chamou: «Senhor padre. Deus nosso Senhor queira que o tenha acordado uma vez mais. Estou a incomodá-lo continuamente. Desculpe, mas…» «Sim irmã Manuela! Olhe lá: não consegue dormir?...» «Não, senhor padre, não consigo. É este terrível frio que sinto…»

Finalmente, o presbítero entendeu as intenções da monja, e então disse: «Minha irmã, só estamos aqui nós os dois, certo?» «Correcto.» «O que acontecer neste quarto, ou deixar de acontecer, só nós saberemos e mais ninguém, estou certo?» «Certíssimo!» «Então, minha irmã, tenho uma sugestão... Que tal se fingirmos ser marido e mulher?»




A religiosa quase deu um pulo de alegria na cama, soergueu-se, a camisa de noite caiu, pondo à mostra um peito perfeito, seios ainda bem empinados, aureolas sobre o escuro e exclamou: «Sim, Chico, sim amor…Siiiiiiiiim!» Então o padre mudou o tom de voz e gritou: «Então, Nelinha, porra! Levanta-te e vai buscar a merda do cobertor!!!!!»!

(Ainda pensei não assinar isto. Mas, depois, decidi-me. O Amigão que é o Zé Magalhães Pequito merece-o. E também ele merece que aqui fique registado o seu nome. Foi ele que me enviou a estória, que eu enfarpelei com mais ou menos cuidado e pouca habilidade, como quase sempre. Um abração, Zé Jaquim. Venham mais destas).

1 comentário:

Kim disse...

Amigo Ferreira

Já assim lhe posso chamar porque há já algum tempo que desbravo portas e TRAVESSAS. Tenho recuado na Travessa como se tentasse descobrir o “bon vivant” que deve ter sido e ainda o grande comunicador que é, carregado de “estórias” mil. É delicioso lê-lo, irónico e mordaz, entre uma traiçoeira picada e a chacota dum qualquer marialva.
O Zé Romano já me tinha dito maravilhas do herói da travessa e eu apenas segui o caminho da descoberta.
Parafraseando a minha portuense amiga Isabel: “É à tua beira que me sinto bem”
Benvindo com a Traveesa 2.
Um abraço amigo