sábado, 4 de outubro de 2008



O nosso «Magalhães»

Antunes Ferreira
O projecto «Magalhães» está a avançar de forma realmente impressionante e com uma velocidade sem paralelo num país como Portugal, onde a lentidão é recorrente, de tão repetida. Já vejo, daqui o protesto em alta grita de todos aqueles que, em coro consonântico, atacaram o computador para novos e velhos, porque o primeiro-ministro, como era seu hábito, mentira aos cidadãos. Uma vez mais, entre tantas que já eram incontáveis.

Leit motiv: o portátil azul não era coisíssima nenhuma português, era apenas montado, ou as peças dele eram apenas assambladas (neologismo que lá no fundo quer servir para disfarçar o corriqueiro juntas) na tal firma JP Sá Couto, que, afinal, nem era conhecida, seria um fantoche manobrado dos bastidores pela propaganda governamental.

Ninguém desses acérrimos críticos, na sua sanha destruidora, se deu sequer ao trabalho de dizer que, mesmo com isso tudo, os portáteis iriam mesmo ser entregues gratuitamente ou quase a quem fossem os seus destinatários, de acordo com as posses destes. Também fizeram o mais escrupuloso silêncio sobre os preços da comercialização e a receptividade dos consumidores.

É que isso não era (e não continua a ser) notícia. Não tinha sangue, não tinha sexo, não tinha crime, logo não tinha público, nem entusiasmava quem se batesse – e de que maneira – pelo share. Lembro uma afirmação que eu próprio ouvi na Faculdade de Comunicação e Jornalismo Casper Libero em São Paulo pela boca do professor Du Maria, e que, depois se transformou em símbolo. A notícia é o homem morder o cão e não o cão morder o homem…




Ora bem. Escreveu o Diário Iol: «Três anos depois de Bill Gates ter estado em Portugal para assinar um memorando de entendimento com o Governo, tendo em vista parcerias em várias áreas, a Microsoft regressou, agora com o novo presidente, Steve Ballmer, para ampliar as parcerias e anunciar o envolvimento total no projecto “Magalhães”».

E, ainda, «O CEO da gigante informática foi o mais entusiasta na avaliação aos pequenos computadores produzidos pela JP Sá Couto: “Este é um projecto incrível, que nem consigo descrever. Sentimo-nos muito satisfeitos e honrados por nos juntarmos ao Governo Português e outros parceiros na Iniciativa Magalhães, já que trabalhamos juntos para tornar a tecnologia mais relevante, acessível e económica para estudantes em Portugal e em todo o mundo. Penso que o Magalhães pode servir de exemplo para outros países”».

A Venezuela deu o pontapé de saída e a Argentina deverá ser o segundo interessado na compra do portátil. A Bélgica, o Luxemburgo e o Brasil já estão, igualmente, na poole position. Em termos de receitas que resultarão da exportação, pode prever-se que o computador ajude a equilibrar relações muito… desequilibradas para Portugal.

É óbvio que José Sócrates também se entusiasmou durante o evento, tendo falado em aventura, por isso fora tão bem aplicada a denominação Magalhães, o navegador que partira à aventura e que acabara por dar a volta ao Mundo. Que sublinhou que «o “Magalhães” não é uma estrela que caiu do céu, mas o resultado de um movimento de modernização que atravessa toda a sociedade portuguesa».


É este, sobretudo, o registo que hoje aqui queria deixar. Antevejo já os comentários que surjam chamando-me situacionista, socratodependente, bajulador e quejandos. Não me preocupam – nem me antecipam o sentimento da culpa. Nunca fui propagandista, não sou, nem serei. Quando escrevo tento ser isento. É hábito e prática que já usava nos tempos salazarentos. Que me causaram muitos dissabores e bastantes incómodos, para não dizer pior, por parte da ignóbil Censura e da miserável PIDE. E muito menos o primeiro-ministro me indicou para seu defensor, ainda que oficioso…

Pessoalmente, estou muito satisfeito – nem sempre com Sócrates – mas com o «Magalhães». Que, parece afinal, que tem «qualquer coisa portuguesa». O nome é – e não nos envergonha.

(Também publicado em http://www.sorumbatico.blogspot.com/)

3 comentários:

Júlio P. Andrade disse...

Com essas e outras, ainda consideram o Antunes Ferreira como homem de encomendas socráticas... Não acredito, mas deve ter cuidado. Há muita inveja por aí.

Fartinho da Silva disse...

Parece que anda há quem acredite no Primeiro Ministro.

Os meus sinceros pêsames por ainda não ter percebido o embuste da coisa.

Espero, sinceramente, que estude um pouco melhor todo o processo Magalhães para não ter que daqui a uns anos (poucos) ter que engolir tudo aquilo que escreveu.

Nota: como eu gostaria que o senhor tivesse razão...

José Gonçalves disse...

http://www.theinquirer.net/gb/inquirer/news/2008/07/31/500k-classmate-pcs
A notícia do “Magalhães” por um relator inglês. A “tradução” para português não acerta com as notícias “preparadas”.